25 Agosto 2020
É muito bom falar sobre corresponsabilidade. Mas os leigos adultos maduros embarcarão na corresponsabilidade apenas se houver um compartilhamento de autoridade.
O comentário é de Frank Brennan, jesuíta e advogado australiano, professor da Australian Catholic University, em artigo publicado por La Croix International, 24-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante a semana, eu participei de um webinar intitulado “A luz do Cruzeiro do Sul: promovendo a governança corresponsável na Igreja Católica na Austrália”. Os congressos e webinars via Zoom são agora um lugar comum para aqueles que estão enfrentando o confinamento devido à pandemia.
Esse webinar foi realizado nos escritórios de um grande escritório de advocacia em Sydney.
Os trabalhos foram presididos pela distinta apresentadora de TV australiana Geraldine Doogue. Mais de 150 católicos comprometidos se sintonizaram. Havia um clima de bastante empolgação durante os trabalhos. E, na maior parte do tempo, a tecnologia funcionou bem.
Geraldine apresentou o conferencista principal, François Kunc, que é juiz da Suprema Corte de New South Wales.
Ele teve a tarefa nada invejável de fornecer uma visão geral de 15 minutos do relatório de 208 páginas que contém 86 recomendações para melhorar a governança da Igreja Católica na Austrália. Eu fui um dos nove respondentes.
Os outros respondentes foram três dos principais autores que faziam parte da Equipe do Projeto de Revisão da Governança de sete membros comissionados para preparar esse relatório para o Grupo Consultivo de Implementação da Igreja, que foi estabelecido pelos nossos bispos após a comissão real.
Outro respondente foi um dos conselheiros teológicos da equipe de revisão.
O debate foi animado, bem-informado e respeitoso. Homens e mulheres estavam à mesa em números iguais. Apropriadamente, os leigos superavam em muito o clero.
Mas alguma coisa não estava certa.
Não havia nenhum bispo no painel. Disseram-nos que os convites foram feitos, mas em vão. Assim como a maioria das coisas na Igreja, provavelmente há uma história por trás disso.
Mas eu fiquei pensando que um debate sobre governança corresponsável na Igreja Católica poderia muito bem ser feito com alguns bispos à mesa.
A maioria que falou durante o evento deveria estar na casa dos 60 anos. Ao considerar a governança futura da nossa Igreja, provavelmente é melhor começar como gostaríamos de terminar. Para que a corresponsabilidade funcione, bispos e jovens precisam estar à mesa.
Esse relatório foi apresentado aos nossos bispos no último minuto antes da sua última conferência em maio de 2020.
Em vez de publicá-lo prontamente, os bispos decidiram que queriam refletir sobre ele até a sua próxima reunião em novembro de 2020. O relatório em forma de rascunho vazou logo depois que os bispos concluíram o seu encontro em maio.
Após o vazamento, os bispos repensaram a sua programação. No dia 12 de junho de 2020, o arcebispo Mark Coleridge, presidente da Conferência dos Bispos da Austrália, anunciou que os bispos “dariam seu feedback antes do dia 17 de julho”.
Ele escreveu:
“Depois que esse feedback for recebido, o relatório será modificado. A versão modificada será, então, publicada no fim de julho ou início de agosto, acompanhada de um guia de leitura. Essa versão estará amplamente disponível, e as pessoas são incentivadas a ler o relatório completo (e não apenas as recomendações) e a fornecer feedback ao seu bispo local para ajudá-lo a formular a sua resposta.”
Essa foi a última vez que ouvimos os nossos bispos antes do início do webinar no dia 19 de agosto. No fim da última sexta-feira, dois dias após o webinar, os bispos finalmente publicaram o relatório revisado.
Para que a governança corresponsável da nossa Igreja seja uma realidade, todos temos que fazer melhor do que isso. E todos nós temos que agir se os bispos quiserem receber feedback e formular suas próprias respostas a tempo para a reunião de novembro.
A introdução do relatório afirma:
“A Igreja Católica na Austrália tem sido um dos epicentros da crise dos abusos sexuais na Igreja global. Mas a Igreja na Austrália também está tentando encontrar um caminho para sair dessa crise de forma a refletir as necessidades da sociedade em que vive.
“A tradição católica afirma que o Espírito Santo guia todos para a verdade. Em sua busca pelo caminho da verdade, a Igreja na Austrália busca ser guiada pela luz do Espírito Santo; uma luz simbolizada pela grande constelação do Cruzeiro do Sul.
“Esse caminho e essa luz oferecem uma abordagem abrangente para questões de governança levantadas pela crise dos abusos e para a necessidade mais ampla de mudança cultural.”
Os participantes do webinar envolviam leigos católicos com excelentes credenciais em governança no setor corporativo e no setor público. E eles amam a sua Igreja.
Enquanto falavam, eu tive a sensação de que, quaisquer que sejam as nossas diferenças, todos nós víamos a nossa Igreja como o lugar privilegiado e agraciado para anunciar a Palavra profeticamente, para partir o pão acolhendo a todos os pecadores à mesa, para nos constituir como o Corpo de Cristo alimentado pelos sacramentos, para servir ao mundo, especialmente aos pobres, e para honrar a tradição e a experiência.
Na verdade, uma forte motivação detectável no grupo foi um desejo apaixonado de pais e avós católicos serem capazes de transmitir essa visão elevada e fundamentada, esse vaso frágil, essa comunidade governada de forma responsável a seus filhos e netos.
Mas as gerações futuras serão atraídas apenas se formos capazes de fornecer Boas Novas e boa governança.
Os respondentes estavam muito acostumados com os documentos da Igreja transmitidos do alto. Mas ficaram entusiasmados com a combinação entre boa teologia e boa governança nesse relatório.
Eles gostaram do debate que ouviram entre as virtudes civis e eclesiais, entre a experiência civil e a eclesial, e entre as perspectivas civil e eclesial.
Sendo da Igreja e do mundo, eles sabiam que cada âmbito tinha muito a contribuir para o florescimento humano. Não se engane: a Igreja precisou da ajuda do Estado e dos olhos do mundo para enfrentar a chaga dos abusos sexuais infantis.
O aviso foi ouvido. É muito bom falar sobre corresponsabilidade. Mas os leigos adultos maduros embarcarão na corresponsabilidade apenas se houver um compartilhamento de autoridade. Como a autoridade pode ser compartilhada na tradição católica quando as decisões ainda são tomadas em última instância pelo(s) bispo(s)?
No rastro da comissão real, o desafio agora é urgente, mas até mesmo aqueles católicos ainda comprometidos com a sua Igreja perderam a esperança de como responder.
Um respondente disse: “Fomos criados para ser católicos passivos, mesmo sendo ativos na vida civil”.
Outro falou sobre a sua experiência de mudança de vida quando foi para a paróquia de Redfern, no interior de Sydney, com o Pe. Ted Kennedy, que oferecia uma acolhida totalmente aberta a todos os visitantes, ao mesmo tempo em que insistia que sempre estivéssemos abertos aos pobres.
Francis Sullivan, que foi CEO do Truth Justice and Healing Council, que interagiu com a comissão real em nome da Igreja australiana, reconheceu que alguns católicos (incluindo alguns bispos) podem temer que qualquer debate sobre governança corresponsável possa levar a uma Igreja de liderança não episcopal.
Um participante perguntou como a mudança afetaria os católicos que não viam nenhuma necessidade de mudança.
No dia seguinte, eu li uma notícia sobre o cardeal George Pell, que falou em um webinar nos Estados Unidos, dizendo: “Quanto mais você se adapta ao mundo, mais rápido a Igreja Católica fecha as portas”.
Francis Sullivan pensou que os autores desse relatório queriam “uma Igreja relevante que possa alimentar as nossas vidas”.
O relatório aponta algo tão antigo quanto a leitura da Primeira Carta de São Paulo à Igreja em Corinto:
“Muitas vezes, a imagem (paulina) do corpo e das suas muitas partes foi ofuscada pela imagem da promessa petrina em Mateus 16,18-19.
“Aqui, a responsabilidade recebida por Pedro de ser a rocha sobre a qual a Igreja está construída, recebendo as chaves do reino dos céus, ligando e desligando na terra e no céu, pesou tanto (e às vezes literalmente) sobre os bispos e os padres que eles negligenciaram as contribuições legítimas e cruciais do resto do corpo.
“A boa governança deve ser construída não apenas sobre a legítima autoridade (não poder) do padre ou do bispo em sua diocese ou paróquia, mas sim no respeito mútuo pela contribuição legítima de todos os membros do corpo de Cristo, animados pelo Espírito.”
Quando tivermos a oportunidade de refletir sobre esse relatório com os nossos bispos e com os jovens, devemos perguntar: como esta tradição, este modo de vida, esta comunidade de fé pode se estar à altura e ser atraente para os jovens e para aqueles que estão desiludidos com tudo o que ouviram após a comissão real?
Precisamos de exemplos do que funciona e do que é acessível. Precisamos responder ao apelo do Papa Francisco à sinodalidade, que “envolve a participação ativa de todos os membros da Igreja em seus processos de discernimento, consulta e cooperação em todos os níveis de tomada de decisão e missão”.
Os participantes do webinar gostaram dessa observação de um comentarista estadunidense: “Abraçar a sinodalidade não é um chamado para acabar com a liderança hierárquica. A Igreja não é uma democracia. Mas a Igreja também não é uma monarquia em que os bispos locais, as conferências episcopais ou mesmo o papa governam por decreto”.
No dia anterior ao webinar, eu havia presidido a missa fúnebre de um homem casado, com nove filhos e 19 netos.
As restrições do confinamento em Melbourne impediram a presença dos netos na Igreja.
Usando a tecnologia disponível, eles transmitiram ao vivo as suas reflexões sobre o seu amado vovô e as suas orações aos fiéis para a Igreja e para as centenas de fiéis virtuais.
Cada um dos 19 netos falou e rezou em voz alta. A vitalidade e a espiritualidade do seu envolvimento na liturgia era palpável. Se eles estivessem na Igreja, provavelmente não teríamos ouvido nenhum deles falar e estaríamos mais pobres por causa disso.
Com tecnologia, boa governança, sinodalidade e a ação do Espírito, juntos, corresponsavelmente, rezemos para que possamos constituir a Igreja que Cristo constantemente constrói, reconstrói e remodela sobre a rocha de Pedro.
Mantenhamos a nossa fé e a nossa esperança de que “as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela” e de que ela não poderá ser minada por dentro.
Assim como Paulo em sua Carta aos Romanos, podemos então aclamar: “Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Como são inescrutáveis os seus juízos e impenetráveis os seus caminhos!”.
[O relatório “A Luz do Cruzeiro do Sul” está disponível aqui, em inglês.]
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Olhando para a futura governança da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU